Paula Ramos
Revista de Liturgia
O salmo 125 está incluído no conjunto dos salmos graduais também ditos salmos de peregrinação ou cânticos das subidas. Mesmo incluíndo vários gêneros literários são aí reunidos porque possuem uma unidade que não pode ser posta em dúvida. São salmos simples, breves e perpassados de emoção. Referem sempre de forma afetuosa a Israel, Sião e Jerusalém. Não pretendem transmitir nenhum conceito definido mas constroem imagens de grande força sugestiva. Mesmo quando são compostos na primeira pessoa esse "eu" é sempre coletivo. Os exegetas supõem que a situação histórica desses salmos é a dos peregrinos que retornaram à pátria após o cativeiro na Babilônia e têm agora o templo restaurado, ao qual vão em peregrinação com a fé e a confiança dos romeiros de todos os tempos e lugares. No nosso saltério agrupam-se entre os salmos 120 e 134.
(...) Há uma sequência, também, entre a caminhada dos magos, levados pela sua nostalgia e a sua sede de penetrar os segredos da vida e a subida que somos chamados para fazer com Jesus até Jerusalém neste tempo em que se cumprirá ainda uma vez, sua Páscoa. E também a irmos com ele mais para o cume, até à Jerusalém do alto, onde Ele se assenta à direira do Pai e nos introduz na defintiva Cidade de Deus.
Por isso vamos tomar um dos nossos "salmos das subidas": o Salmo 125 na Bíblia Hebraica (124, na grega e na Vulgata).
Quando a Igreja canta ou proclama um salmo, assim como todos os outros textos bíblicos, presentes e indispensáveis na liturgia, ela não o faz para trazer-nos informações, para levar-nos ao conhecimento do que os personagens fizeram ou do que os autores disseram. A Palavra que convoca a Assembléia Litúrgica não se dirige apenas ao nosso intelecto, mas deseja realmente tornar-se para nós uma experiência de fé, um momento mistagógico, um exercício espiritual que transborda na tranformação da vida.
São Bento, no Prológo de sua Regra, diz ao discípulo: "Inclina o ouvido do teu coração". A Liturgia, com todos os seus gestos, os seus símbolos, a sua ambientação e os seus ritos, diz-nos exatamente isso, quando nos prepara para a audição da Palavra e para responder a ela. A proclamação da Palavra e a sua audição nos envolvem a todos em um verdadeiro exercício espiritual. Lemos e ouvimos para sermos transformados pela Palavra que nos penetra pelo "ouvido do coração".
Nosso salmo 125 integrado na Liturgia torna-se nossa oração pessoal. O seu texto "não procede da experiência de um espírito humano, que teria conhecido a verdade divina e dito: 'Assim fala o Senhor' mas da emoção de um homem que se dirige a Deus em oração. É desse modo que os salmos devem ser propriamente interpretados: não pela leitura, pela consideração, pelo estudo, mas deixando-se levar por eles em seu movimento, até Deus", dizia o teólogo, homem espiritual, Romano Guardini.
Inclinemos, pois, o ouvido do coração e vamos em primeiro lugar ler o salmo, depois penetrar o seu sentido, saborear as suas imagnes, refazendo, pela oração, o itinerário espiritual do salmista. Assim este salmo torna-se "o nosso salmo".
O que lemos no salmo? Uma tranquila e vigorosa proclamação da confiança que podemos depositar em Deus e só nele, em tal medida, mesmo quando temos motivos de abatimento ou estamos em situações angustiosas: "Só tu tens palavras de vida eterna", será muitas vezes a única expressão adequada para o momento, mas o que tem fé tem também a quem dizer esta palavra, mesmo quando vê pesar sobre si a dominação dos perversos, que deseja ver expulsos com os malfeitores.
Aquele que plantou a sua confiança - a sua fé - no Senhor, assemelha-se aqui como um símbolo d afrme e estável proteção de Deus, que nunca se desmente. A comparação é forte, pelos dois sentidos que encerra a alusão ao Monte de Sião. Sião é um monte que, de acordo com a antiga crença, é inabalavelmente firme, ois lança suas raízes no centre da terra. Mas em Sião repousa também a promessa de des da qual é o sinal visível que garante a salvação e a esperança de Israel de permancer para sempre.
Além de situar-se no Monte de Sião, a cidade de Jerusalém, como figura de cada pessoa amada por Deus bem como de toda a comunidade dos que crêem, está igualmente cercada de montes.
Santo Agostinho faz uma observação curiosa e inesperada em relaão a essa imagem dos salmos: "Não é admirável qeu nos encontremos na cidade que os montes rodeiam?... Será que não sabemos o que são so montes? Não são simples elevações de terra. Há outros montes que merecem todo o nosso amor, são montes excelsos: os pregadores da verdade, sejam anjos, apóstolos ou profestas. Estes se acham em torno de Jerusalém e aí formam ocmo que uma muralha. A Escritura fala com frequência desses montes tã odignos de nosso amor e desejo. Queridos irmãos, prestem atençaõ quando escutam ou lêem e encontrarão monts agradáveis em mais passagens do que as que posso citar... Eles são montes iluminados por Deus e primeiramente são iluminados para que deles a luz desça para os vales e as colinas... Através deles a nós se entrega a Escritura, contida na profecia, nos apóstolos ou no Evangelho".
Seremos como o Monte Sião se a nossa fé for verdadeira, se ela se traduzir em verdadeira confiança, em verdadeiro repouso na misericórdia e na providência do Senhor. Quantos não progridem na vida espiritual porque são incapazes de 'lançar sobre o Senhor os seus cuidados'.
Não é só na prosperidade que vamos manifestar nossa confiança no Senhor. A nós que nele confiamos, não nos vai 'deixar cair em tentação': o cetro do ímpio, o poder opressor não vai permanecer por muito tempo sobre a sorte do justo para que este, abatido, não venha a corromper-se também, estendendo a sua mão para o crime.
Como devemos orar e agir para que todos se tornem firmes como o Monte de Sião, tendo a valorosa coragem da confiança nos momnetos de tribulação e a do abandono nas maãos do Senhor diante da sedução de apoiar-se nas falsas seguranças das vias tortuosas. Se a fé dos justors for fortalecida eles saberão vencer por dentro a malícia dos iníquos e serão vitoriosos mesmo dentro da luta, encontrando nela o que os 'corrija, console, exercite, coroe, purifique e os ilumine', como diz o apóstolo: "Sabemos que tudo concorre para o bem dos que amam a Deus". E coo os que amam a Deus amam também os inimigos, assim desejarão que o Senhor, 'castigando-os com a vara', arroje para longe também a malícia dos malfeitores e os faça ser, com todos os purificados, o Israel de Deus.
Assim, tendo cantado num grande coro o salmo da peregrinação quaresmal, o salmo ds subidas para a Jerusalém onde o senhor desejou comer a Páscoa com os seus discípulos continuaremos cantando o canto dos redimeidos, daqueles que lavaram as suas vestes no sangue do Cordeiro e entraram na verdadeira Jerusalém, na 'visão de paz' porque sendo artesãos da Paz toranram-se filhos de Deus. Assim o Senhor nos dirá: "A paz esteja convosco". Que venha a paz a Israel, que venha a paz ao vosso povo".
Texto publicado na Revista de Liturgia, n. 206, ano 35 - março/abril - 2008, páginas 16 e 17.
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