João Crisóstomo foi um grande pregador. Quando estava no púlpito se revelava um grande orador, embora nas relações oficiais muito tímido e reservado. Sua pregação colocava toda a razão da fé e da liturgia em favor dos irmãos, quando afirmava que se um cristão fosse inútil para o próximo, ele nada teria de grande. Buscou um cristianismo comprometido com a realidade e sem conivência com os poderosos.
João Crisóstomo, como grande pregador voltado para a fecundidade e plenitude do cristianismo, deixou-nos testemunhos que mostram a necessidade da realização de ações litúrgicas fecundas e dinâmicas, nas quais os ritos se completam com uma vida harmoniosa. O celebrar exige dos cristãos comprometidos com a fé a partilha de bens: "Para nós é muito mais indicada a comunhão de bens. Além disso, esta instituição também é mais conforme com a natureza".
Ser cristão implica a partilha ou a comunhão dos bens e exige o uso social das riquezas e dos bens possuídos. Todo cristão tem um compromisso com os irmãos e ninguém pode negar-se ao seu próprio ofertório social. No entender de João Crisóstomo, a partilha é elemento constitutivo da natureza dos bens, que foram criados indistintamente para servir a toda a humanidade.
João Crisóstomo mostra a dimensão empenhativa da ação litúrgica: deve expressar unidade, justiça e caridade entre todos os membros; ela deve ter ressonância na vida cotidiana e gerar uma busca contínua para aprofundar o mistério na realidade humana. Sem o compromisso da frutuosidade, que deve ser gerado pela celebração sacramental, os mistérios celebrados tornam-se inócuos: "(...) nem o batismo, nem a remissão dos pecados, nem o conhecimento ou a participação dos mistéiros, nem a mesa sagrada, nem a comunhão no corpo e no sangue do Senhor, nem qualquer outra coisa nos poderá ser motivo de alegria se não conduzir a uma vida reta, digna de admiração e livre de todo pecado."
Em sua teologia do Novo Testamento, João Crisóstomo confirma a relatividade dos rituais. Eles só são verdadeiros se trouxerem alegria e proporcionarem a transformação da própria vida. Elencando os sacramentos do batismo, eucaristia e penitência (em seu tempo, uma prática habitual), declara que eles não são eficazes se não forem acompanhados de uma vida reta e digna de admiração. De nada serve a celebração dos sacramentos na vida do cristão e da comunidade sem que haja um modelo de vida que testemunhe retidão, amor à justiça e caridade com os que sofrem.
A celebração fecunda, segundo João Crisóstomo, leva à construção da paz. Pela participação à mesa, o cristão se compromete em ser na vida social um artífice da paz, especialmente em tempos nos quais a paz e a concórdia estão ausentes da comunidade: "Não digo somente paz no sentido comum desta palavra. Nem mesmo aquela paz que consiste na comuhão da mesa, mas a paz segundo Deus, que nasce de uma concórdia de espíritos e que muitos, em nossos dias, destroem".
(...) o elemento que João Crisóstomo mais destaca na relação entre liturgia e vida é a abertura do coração para as necessidades da comunidade: solidariedade com o sofrimento dos mais pobres. Essa postura dá veracidade aos atos litúrgicos: "Seria um escândalo honrar o corpo de Cristo na Igreja, com estofas de seda e permitir que ele quase morra de sede ou nudez. Aquele que disse: 'este é meu corpo', disse também: 'me vistes com fome e não me destes de comer'. Que vantagem pode ter Cristo em ver sua mesa coberta de vasos de ouro, enquanto ele mesmo morre de fome na pessoa dos pobres".
Vemos o apelo de João Crisóstomo suplicando por coerência entre os dois momentos da vida do cristão: a celebração do mistério da eucaristia e depois o serviço da caridade para com os mais pobres. Sua grande preocupação está na diferença entre um altar preparado para a eucaristia e a pobreza de uma mesa de um irmão pobre. Enquanto o altar exibe sedas e vaso de ouro, o pobre passa fome e não é socorrido pela comunidade. Este texto faz lembrar os textos clássicos do Antigo Testamento, nos quais os profetas mostram o desdém de Javé para com os sacrifícios sacerdotais, plenos de riqueza, mas que mascaravam uma injustiça desconcertante, a qual negava a importância do próprio ritual. De nada serve todo ritual dentro do templo se não houver justiça na vida da comunidade. Tanta miséria entre os irmãos não se apaga com sacrifícos suntuosos.
(...) Os atos litúrgicos ganham veracidade se continuados na prática posterior da comunidade. Ritual e vida compõem as duas partes fundamentais do ato de louvação, que é a finalidade definitiva do culto cristão.
Este texto compõe o ensaio "Celebrar e Fazer o Bem: A Dialética da Santidade", publicado na coletânea de ensaios "A Caridade: Um estudo bíblico-teológico", publicado pela Ed. Paulinas, 2002.
terça-feira, 3 de março de 2009
Celebrar e Servir aos Pobres: João Crisóstomo
Antonio Sagrado Bogaz
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário