Na maior parte do Oriente Médio, a história antiga do cristianismo parece estar se aproximando de um final sangrento quase diante dos nossos olhos. A catástrofe mais dramática, recentemente, tem acontecido com os cristãos iraquianos, que representavam de 5 a 6% da população do Iraque em 1970. Este número está, agora, abaixo de 1% e diminuindo rapidamente diante da perseguição e da “limpeza” étnico/religiosa.
Os cristãos ocidentais observam esta história com horror, mas poucos têm um conhecimento detalhado da situação, ou podem facilmente reconhecer as igrejas iraquianas sobre as quais lemos nos jornais. Elas são, talvez, as sobreviventes de alguma atividade missionária Vitoriana? Nós imaginamos.
Na verdade, entender a história das igrejas do Iraque deveria nos deixar ainda mais atentos em relação à tragédia que vemos se desdobrando. Não apenas estas igrejas – Caldéia, Assíria, Ortodoxa – muito antigas são as sobreviventes da história recente da Igreja. Por séculos, na verdade, a terra por muito tempo conhecida como Mesopotâmia, era considerada o centro da Igreja e uma espantosa recordista de missões e evangelismo. O que vemos hoje no Iraque não é apenas a morte da igreja, mas também o fim de uma das fases mais inspiradoras da história do cristianismo.
A Igreja de Volta a Ur
A Mesopotâmia foi essencial para o cristianismo primitivo por ter sido uma parte importante do mundo civilizado da antiguidade. Ligada ao Mediterrâneo pelas rotas comerciais em ascensão, ao mesmo tempo, não estava submissa ao poder político do Império Romano.
Quando enfrentaram perseguição na Síria ou na Palestina, os cristãos primitivos tenderam a ser deslocar para o leste, onde se juntaram a comunidades judaicas antigas estabelecidas na Babilônia. Estas igrejas foram enraizadas nas tradições mais antigas da igreja apostólica. Ao longo de suas histórias, elas utilizaram a língua Síria, que é muito próxima à língua de Jesus, o aramaico, e seguiam Yeshua, não Jesus.
Quando o Império Romano se tornou Cristão, a Mesopotâmia tornou-se o principal refúgio para aquelas correntes teológicas que o império rotulara, então, como heréticas: Monofisismo ou Jacobismo e Nestorianismo. Em última análise, a maior parte dos cristãos modernos do Iraque olham para esses movimentos como sendo o seu passado espiritual.
Uma vez fora do domínio romano, os líderes cristãos ficaram livres para estabelecer suas próprias igrejas. A principal igreja cristã do Império Persa ficava nas cidades próximas, Seleucia e Ctesiphon, sucessoras da antiga Bailônia e as mais populosas do mundo naquele tempo. Esta igreja seguiu os ensinamentos dos Nestorianos depois do ano 431. No ano 498, seu líder, o Katholikos, assumiu o posto de Patriarca da Babilônia, o Patriarca do Oriente. Quando os muçulmanos, por sua vez, estabeleceram seu próprio império, derrubando os Persas, o Katholikos mudou sua capital para Bagdá.
Os cristãos de fala síria encontraram na Mesopotâmia uma fortaleza, ao norte, banhada pelos rios Eufrates e Tigre. Hoje, os nomes dos lugares mais antigos desapareceram e não têm qualquer relação com as divisões modernas. Em termos de nações modernas, estamos falando da área onde está localizado o atual Iraque, Turquia e Síria juntos, onde os ativistas agora lutam para criar um novo Curdistão. A região inclui muitos nomes que estão freqüentemente nos noticiários como centros de instabilidade e de violência política. Por séculos, as maiores igrejas daqui foram tão famosas quanto qualquer outra na Europa cristã, embora suas histórias estejam há muito esquecidas no ocidente.
Do IV ao século XIV, o Iraque teve muitos centros para cultos e para estudos cristãos. Fora de Bagdá, a Igreja do Oriente tinha filiais em Basra, Kirkuk e Erbil. Comandantes Jacobitas freqüentemente construíam suas casas em Tikrit, que serviam como referência para os Maphrianus (Bispos chefes), líderes da igreja Jacobita por todo o Oriente. Tikrit, nos dias modernos, ganhou notoriedade por ser a cidade onde morava Saddam Hussein e seu clã islâmico sunita al-Tikriti.(...)
Bodes expiatórios do esfriamento global
Olhando para o mundo nos anos 850 d.C., alguns observadores duvidariam que os cristãos do futuro se estabeleceriam no Oriente Médio e na Ásia ao invés das terras barbaramente devastadas da Europa ocidental.
Na medida em que conhecem a história do Cristianismo no Oriente, os ocidentais geralmente pensam que aquelas igrejas devem ter sido paralisadas após o surgimento do Islamismo, durante os séculos VII e VIII. Na verdade, o declínio foi mais lento; as igrejas do Iraque e os mosteiros ainda estavam se expandindo nos séculos XII e XIII.
O que efetivamente acabou com eles foram as invasões Mongóis e suas seqüelas, o que devastou a maior parte da Ásia Central e do Oriente Médio do ano de 1220 d.C. em diante. Também, no final do século XIII, o mundo entrou numa terrível era de esfriamento global, que interrompeu seriamente o suprimento de alimentos e contribuiu para a fome em massa. (...)
Comunidades cristãs foram expulsas ou eliminadas em todo o Oriente Médio e deixaram de existir na maior parte da Ásia Central. As igrejas sofreram destruição ou prisões em massa, incluindo os centros mais antigos como Erbil, Mosul e Bagdá. Bispos e clérigos foram torturados e presos.
O Cristianismo sobreviveu, mas ficou confinado nas regiões mais pobres e mais remotas. Os Patriarcas da “Babilônia”, agora, estavam indo literalmente para os montes: nos últimos séculos os patriarcas construíram seu lar no mosteiro em Rabban Hormizd, nas montanhas próximas a Mosul. O brilho do milênio do Cristianismo do Iraque havia acabado.
A fase final das igrejas da Mesopotâmia começou com a Primeira Guerra Mundial, quando o Império Otomano Islâmico começou a massacrar cristãos em todo o seu território. Entre outros, eles voltaram-se contra os Assírios – isto é, os últimos remanescentes da Igreja Nestoriana que já haviam levado sua fé em Yeshua para o Oceano Pacífico. (...)
Pouca coisa melhorou para os estados estabelecidos sobre as ruínas das leis Otomanas. Em 1933, as forças islâmicas da nova nação do Iraque empreenderam um ataque mortal às comunidades sobreviventes dos povos assírios. Milícias do governo eliminaram do norte do Iraque muito de sua população Assíria, matando milhares e eliminando dezenas de aldeias.
As barbáries foram tantas que exigiram um novo termo no vocabulário legal. Alguns meses depois, Raphael Lemkim, um advogado judeu-polonês, utilizou os casos dos assírios e dos cristãos armênios antes deles, para defender uma nova categoria jurídica de Crimes Bárbaros: “atos de extermínio direto contra a etnia, religião ou sociedade por qualquer motivo (político, religioso, etc)”. Como um grande humanitário, Lemkim continuou desenvolvendo este tema nos anos seguintes e, em 1943, ele cunhou uma nova palavra para este comportamento atroz, chamado genocídio. O conceito moderno de genocídio como um ato singularmente nocivo que demanda sansões internacionais, tem suas raízes nos bem sucedidos movimentos para erradicar os cristãos do Oriente Médio.
Quase morto
Os cristãos se adaptaram bem às leis nacionalistas do Ba’ath Party, que rejeitou o domínio muçulmano. De fato, os cristãos haviam, originalmente, ajudado a fundar o Ba’ath e continuaram a ser um de seus maiores aliados. O deputado e ministro de Saddam, Tariq Aziz foi, por origem, membro da igreja dos Caldeus, adotou o nome cristão de Mikhail Yuhanna, “Michel John”. Reportados, 20% dos professores do Iraque, assim como muitos médicos e engenheiros, eram cristãos. (...)
A segunda invasão de 2003 provou o fim da militância islâmica, ambas, Sunita e Xiita, enquanto removia qualquer autoridade do policiamento central. Na anarquia que se seguiu, os cristãos tornaram-se alvos de multidões e milícias. Neste aspecto, a história do cristianismo no Iraque tem sido um catálogo de perseguição e martírio. Somente entre 2003 e 2007, dois terços dos cristãos iraquianos remanescentes deixaram o país, e a população certamente vai diminuir ainda mais nos próximos anos, provavelmente a ponto de desaparecer.
O que vemos, então, é a morte de uma das maiores histórias do cristianismo no mundo. Certamente, seus dias de glória já se foram há muito. Recordo o que escreveu William Wordsworth quando a República de Veneza foi extinta, depois de séculos sendo dominada pelo mundo mediterrâneo:
E se ela tivesse visto estas glórias se desvanecendo,
Aqueles títulos desaparecendo e a força decaindo?
Deveria ainda ser pago algum tributo de arrependimento
Quando a sua longa vida tivesse alcançado o seu dia final:
Homens somos, e devemos nos afligir mesmo quando a sombra
Daquilo que uma vez foi grande tiver morrido.
Como poderíamos lamentar menos a morte de igrejas do que a de repúblicas mortas?
Este texto de Philip Jenkins pode ser lido em sua integralidade, na tradução de Ana Maria Rocha Neves, no site da revista Cristianismo Criativo. Neste mensário pode-se ler uma série de matérias sobre o drama atual dos cristãos orientais, publicadas ao longo do ano passado.
(http://www.cristianismohoje.com.br/artigo.php?artigoid=37543)
Sobre os cristãos das regiões destacadas no artigo de Jenkins, há um livro muito interessante chamado "Les Porteurs de Lumiére - L´Épopée de l´Église Perse", de Nahal Tajadod, publicado dentro da coleção Spiritualités Vivantes da "maison" Albin Michel. Vale a pena conferir!
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